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Biodesign

Elementos da flora como temática fotográfica tem longa data e vários propósitos na história da fotografia, começou com os criadores do meio como William H. F. Talbot, por volta de 1834, no estágio inicial de descoberta da fotografia, que a partir dos seus Desenhos Fotogênicos produzia fotogramas negativos de folhas ao realizar impressões diretas de plantas prensadas contra o papel sensibilizado.

A pesquisa de Talbot que culmina com a invenção de um dos primeiros processos fotográficos, nos mostra a história, é motivada pela sua inaptidão para desenhar. É dessa frustração de não conseguir ilustrar satisfatoriamente o mundo a sua volta que Talbot busca na construção de instrumentos uma “máquina de fazer desenhos”.

Em 1842 John Herschel descobriu que a reação e redução de um sal férrico para um estado ferroso durante a exposição à luz UV, poderia gerar imagens permanentes sobre a superfície do papel. Com essa descoberta, Herschel abriu caminhos para pelo menos 4 tipos de impressão fotográfica sobre o papel. Uma delas foi o Cianótipo, processo que Anna Atkins usa para produzir o primeiro livro de fotografias, na forma de um catálogo de documentação botânica de algas marinhas. A função de inventariar coisas, foi largamente explorada pela fotografia em seus primórdios, e a flora sempre esteve como um dos objetos mais explorados.

Quase um século depois de Atkins, na transição da fotografia pictorialista para a fotografia moderna, o alemão Karl Blossfeldt (1865-1932) enxergou nas pequenas manifestações da natureza os arquétipos da arte. O fotógrafo e professor da Bauhaus, que antes estudou escultura e fundição industrial, encontrou nas silhuetas ampliadas de plantas uma semelhança com diversas formas da arquitetura. Com isso, inicia uma investigação estética que relaciona o mundo natural com o ambiente urbano construído.

Cerca de meio século após Blossfeldt, o espanhol Joan Fontcuberta em sua série Herbarium (1984), produzida a partir de pseudoplantas criadas com sucata, denunciou a armadilha e as limitações da objetividade fotográfica, contribuindo definitivamente para encerrar com a modernidade fotográfica predominante na primeira metade do século XX. Herbarium é a manifestação visual de uma nova percepção teórico-estética apresentada em Filosofia da Caixa Preta de Vilém Flusser, que persegue a ideia de subverter o programa original (objetividade) do aparelho fotográfico.

Muito além da flora como temática, cada abordagem dos fotógrafos citados representam um momento único na história da fotografia, a visualidade dessas imagens se define pela técnica, mas também por um conjunto de ideias e mananciais semântico-imaginários que formam os paradigmas de cada tempo. Das motivações catalogadoras dos primórdios do meio, quando a fotografia foi considerada a Retina da Ciência, construindo a motivação teórica para a crença na objetividade da imagem, que chega ao seu ápice na época moderna, quando a Fotografia Direta, e fotógrafos como Blossfeldt precursor da Nova Objetividade Alemã, movimento estético que, se por um lado ajudou a livrar a fotografia artística, das regras maçantes do pictorialismo, por outro confinou a mesma fotografia artística em uma árida estética de dias nublados. Até Fontcuberta, que ao ficcionar a flora, faz ruir definitivamente a crença na objetividade fotográfica e abre o meio para tantas possibilidades exploradas no movimento de expansão da fotografia nas décadas finais do século XX.

Biodesign busca se inserir nessa história como uma metáfora das possibilidades da fotografia no contemporâneo, especificamente, dentro do sistema digital. E parte de inquietações teóricas, que face as novas possibilidades do meio fotográfico, não encontram na história os subsídios para compreensão da produção atual.

Em função disso, para nós, novas perguntas para compreender a dimensão da transformação tecnológica precisam ser refeita: o que há de substancialmente diferente nessa fotografia produzida em conjunto com o computador? Qual a evolução técnica que permite ao fotógrafo fazer coisa que antes não eram possíveis? Qual a gênese de uma possível mudança de paradigma da fotografia industrial para a digital? E, por fim, qual a essencial do digital e até onde essa mudança pode nos levar?

Em Biodesign, reduzimos o colorido da flora ao monocromático, utilizando uma luz suave e um fundo neutro, busca-se decantar as formas primitivas que surgem como peças esculturais modeladas pelos milhões de anos da evolução. Fotografando com uma lente macro, cada imagem final é produzida digitalmente somando dezenas de fotografias tomadas de maneira a captura progressivamente todos os planos de foco (empilhamento de foco). Assim, além da forma, conseguimos também destilar as texturas, que em sua escala natural não são percebidas pelos nossos olhos.

Essas imagens impressas ganham um aspecto gráfico, são confundidas com desenhos. A maneira como a tridimensionalidade e as texturas são capturadas, resultado do processo de empilhamento de foco executado por um algoritmo, não são naturais à percepção biológica que vê com reduzida profundidade de campo, tampouco são de uma falsa flora como as ficções de Herbarium. Pelo contrario, revelam aspectos do mundo natural de forma mais “científica” que nosso sistema visual permite ver.

Paradoxalmente, esse hiper-real frente aos nossos sentidos limitados, se apresenta ao imaginário como ficção. E nesse ponto vemos um dos progressos da linguagem a partir das novas tecnologias. Durante toda a história da fotografia, a busca ontológica do meio, ora pela via da técnica, ora pelo discurso, foi na direção da verossimilhança com o real, em ato de vassalagem ao documento. As novas formas de produzir imagens no sistema digital, que unificam sistemas óticos com algoritmos, tendem a incluir na produção de imagens, outras formas além das emanações de luz da realidade concreta, com isso abre-se um enorme campo de atuação ao imaginário, uma vez que é possível se desprender do mundo material e inventar imagens sem referentes.

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