Cada tempo exige uma invenção imagética que o represente na história. Além de documentar o mundo que vivemos, a fotografia também permite imaginar o mundo como utopia. A história das subjetividades escapa a documentação objetiva dos fatos, então cabe a ficção a exploração desse imaginário, cabe a arte a criação desse inventário.
No segundo semestre de 2018, quando se aproximavam as eleições presidenciais no Brasil, gradativamente um tipo de violência, baseada na ameaça explicita e que num primeiro momento objetivava acuar, começou a crescer especialmente contra LGBTs. Meus alunos e pessoas dos seus círculos de amizade eram alvos dessas truculências.
Em 2019 discutíamos estratégias de resistência para suportar os anos que viriam. Dessas discussões surge o imaginário distópico da necessidade de erguer um perímetro em torno do corpo. Nessas imagens, busco formas ficcionais de proteção. As pessoas fotografadas são meus alunos ou seus amigos, muitos dos que mais experimentaram a violência desses tempos, seja em suas manifestações simbólicas ou físicas.
Temos sempre um corpo nu, frágil que se recusa a se esconder, e que se defende do mundo exterior com objetos pontudos, cortantes e que objetivam repelir o ódio destinado a eles. A violência imposta pelos reprimidos, encontra resistência nos corpos que levantam barricadas para os que tentam reprimir nos outros as liberdades que os apavoram.
Perímetro trata dos espaços que precisamos construir para sermos nós mesmos, investiga as fronteiras do corpo. Os limites e o que pode ou não ser usado como muralha ou bloqueio. Os artefatos usados para afastar os boçais e combater o moralismo repressor reincidente que, de tempos em tempos, insiste em tentar condicionar a existência.
Estabelecer um perímetro é mecanismo de defesa instintivo, intimo e subjetivo para se atravessar com sanidade e pulsão de vida os tempos de treva. É só no espaço protegido e seguro que ousamos nos abrir e onde encontramos as ideias-desejos que, desprotegidos e com medo, não seria possível desconfiar que existissem. É dentro do perímetro que não nos subtraem a dimensão radicalmente humana e os desejos de a experienciar na superfície do corpo.
As fotografias foram feitas com placa úmida de colódio, que pelo seu processo artesanal nos permitiu longas tarde de trabalhos e afetos compartilhados.
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